Receitas públicas por fontes de recursos e a padronização nacional
Versão Digital da Revista Abracicon Saber da Academia Brasileira de Ciências Contábeis
Ed. 41, ISSN: 2357/7428, Ago, Set, Out/2022, Brasília-DF
Receitas públicas por fontes de recursos e a padronização nacional
Em Foco • Páginas na Versão Impressa: p. 68-73, 20 min
Por: Nilton de Aquino Andrade
Nilton de Aquino Andrade
Mestre, professor e consultor em Contabilidade Pública. e-mail: nilton@ailti.com.br
Resumo
A Administração pública depende de uma boa gestão orçamentária, financeira, patrimonial e de controle para atender aos princípios da transparência e de responsabilidade fiscal, o que exige padrões de codificações estabelecidos em nível nacional, de forma a evidenciar as informações contábeis e a qualidade da gestão. Os recursos públicos podem ser de livre aplicação ou vinculados a finalidades específicas, o que depende de padronização de códigos que representem a sua origem na receita e a aplicação ou destinação na despesa. Assim, o plano de contas aplicado ao setor público – PCASP, combinado com normas estabelecidas pela Secretaria do Tesouro Nacional, busca facilitar a consolidação das contas públicas com critérios padronizados em nível nacional.
Palavras-Chave: Fontes de recursos, Receita e Despesa pública.
Introdução
A codificação de fonte de recursos é a ponte entre a origem receita com o gasto público, ou seja, a destinação. Representa a origem no lado da receita e a aplicação ou destinação no lado da despesa. Funcionam como um mecanismo integrador entre receitas e despesas e têm como objetivo agrupar receitas que possuem as mesmas normas de aplicação na despesa, identificando as vinculações legais existentes.
Desde a vigência da Lei n.º 4.320/1964, as receitas e as despesas públicas foram classificadas pela sua natureza e segregadas por receitas e despesas correntes e de capital, com os seus respectivos desdobramentos. A receita pública nasce da necessidade de arrecadar para ser aplicada junto à sociedade na forma de políticas públicas. Algumas receitas são vinculadas, porque nem todo recurso está disponível para qualquer tipo de despesa, cuja aplicação pode ter finalidade específica.
Em 1999, com a edição da Portaria STN n.º 42, houve atualização da discriminação da despesa, dando um novo formato à classificação programática, identificando os programas e as ações, assim como a classificação funcional, que se detalhou em funções e subfunções. A partir da entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101/2000, houve a obrigatoriedade do controle dos recursos públicos por meio de codificação específica denominada Fonte/Destinação de Recursos, de forma a atender ao seu parágrafo único do art. 8º, reforçado pelo art. 50.
Art. 8º
Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.
Art. 50. Além de obedecer às demais normas de contabilidade pública, a escrituração das contas públicas observará as seguintes: (…)
I – a disponibilidade de caixa constará de registro próprio, de modo que os recursos vinculados a órgão, fundo ou despesa obrigatória fiquem identificados e escriturados de forma individualizada;
VI – a demonstração das variações patrimoniais dará destaque à origem e ao destino dos recursos provenientes da alienação de ativos.
Em 2001, a Portaria Interministerial STN/SOF n.º 163 dispôs sobre normas gerais de consolidação das Contas Públicas no âmbito da União, estados, Distrito Federal e municípios, trazendo uma classificação padrão, segundo a Natureza das receitas e despesas.
O atendimento aos artigos 8º e 50 da LRF, foram implementados na União, mas nos estados e municípios dependia de padronização e cobrança dos tribunais de contas, que passaram a cobrar efetivamente em meados de 2010.
Em 2020, devido à pandemia Covid-19 e mediante um decreto de calamidade pública em nível nacional, este tema ganhou relevância e houve a edição de medidas provisórias e leis voltadas para o aporte de recursos do Governo federal aos estados e municípios em forma de transferências vinculadas exclusivamente para ações de combate à doença e socorro à população. Daí, com os fins de fiscalização, e ciente de que a STN é o órgão detentor de competência transitória para editar normas gerais para a consolidação das contas públicas, assim como para editar normas gerais de registros contábeis de receita e despesa, efetuadas com ações e serviços públicos de saúde, o Ministério Público colocou a necessidade de o Governo federal criar uma forma padronizada de identificação dos recursos, de forma a lastrear os recursos, além de facilitar o controle e a fiscalização da sua aplicação.
A partir daí, a STN publicou a Portaria 394, de 17/7/2020, estabelecendo um rol mínimo de fontes de recursos a ser observado na Federação para a identificação dos recursos de natureza federal vinculados à ações e serviços público de saúde, repassados no âmbito da ação orçamentária federal “21C0”, para o enfrentamento da pandemia da Covid-19.
Foi uma medida surpresa para toda a Federação porque os entes encontravam-se em plena execução orçamentária e já elaborando os orçamentos do ano seguinte. A própria STN editou nota técnica específica recomendando adoção da metodologia DE-PARA de forma a atender à Matriz de Saldos Contábeis (MSC), no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais (Siconfi), havendo facilidades para aqueles que já adotavam o PCASP estendido.
Conforme Anexo I da n.º Portaria STN 642/2019, cabe ressaltar que a MSC corresponde a uma estrutura padronizada para o recebimento de informações contábeis e fiscais dos entes da Federação para fins da consolidação das contas nacionais, da geração de estatísticas fiscais em conformidade com acordos internacionais firmados pelo Brasil e da elaboração das declarações do setor público (Demonstrações Contábeis e Demonstrativos Fiscais). Essa estrutura reúne uma relação de contas contábeis e de informações complementares e será produzida a partir do Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (PCASP).
Em outras palavras, a MSC é uma informação extraída dos sistemas contábeis orçamentários e que congrega informações ainda não tratadas em relatórios específicos, sendo considerados dados brutos. Sua transmissão ocorrida no modelo anterior já trabalhava com o DE-PARA, com a conjunção de vários mapeamentos de informações complementares.
Os padrões atuais de fonte de recursos
Com a exigência do Ministério Público, o Ministério da Economia, por meio da STN, Secretaria Especial de Fazenda e Subsecretaria de Contabilidade Pública, em 23/02/2021, editou a Portaria Conjunta n.º 20, que estabeleceu a padronização das fontes ou destinações de recursos a ser observada no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Nesta edição, definiu-se que os orçamentos e a execução orçamentária de 2023 seriam apresentados na nova forma estipulada, sendo a codificação das fontes apresentadas em três dígitos, ficando a União no intervalo entre “000 e 499” e os estados e municípios no intervalo de “500 a 999”.
Em 23/2/2021, foi publicada a Portaria Conjunta STN/SOF n.º 21/2021, aprovando adendo à Parte 1 – Procedimentos Contábeis Orçamentários, da 8ª edição do MCASP, assim como a Portaria n.º 117/2021 concebeu a alteração para o referente tema na sua 9ª edição. Também foi colocada em audiência pública uma minuta da IPC 17, que traz os procedimentos contábeis orçamentários sobre tais controles de fontes/ destinação de recursos.
A Portaria n.º 710, de 25 de fevereiro de 2021, já definiu a lista de fontes de recursos padronizadas, cuja relação, em forma de Anexo I, sofreu mudanças por meio de novas portarias, tais como Portaria n.º 925, de 8 de julho de 2021, pela Portaria n.º 1.141 de 11 de novembro de 2021 e Portaria n.º 1445, de 14 de junho de 2022, com alterações de nomenclaturas ou inclusão de novas fontes, podendo ocorrer outras a qualquer momento. Também definiu em seu § 3º que as informações definidas no seu Anexo II deverão ser enviadas ao SICONFI ou ao sistema que vier a substitui-lo, por meio da MSC.
Atualmente tal controle de fontes e destinação de recursos não é novidade para o setor público por já ser prática constante deles. A referida metodologia constitui instrumento que interliga todo o processo orçamentário-financeiro, que vai desde a previsão da receita até a execução da despesa, cabendo a cada sistema informatizado tratá-lo de forma a exercer o devido controle, possibilitando maior transparência dos gastos públicos, inclusive atendendo ao disposto na LRF, conforme dispositivos já transcritos.
O próprio plano de contas aplicado ao setor público – PCASP, que é de uso obrigatório, apresenta contas de controle financeiro, do grupo 7200 e 8200, que exigem complementos auxiliares da conta contábil para inscrição e execução de disponibilidades por destinação de recursos, em que tais codificações se apresentam na forma de contas correntes, funcionando de forma paralela ao controle orçamentário.
O Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP), em seu Capítulo 5, denominado “Fonte ou Destinação de Recursos” apresenta os aspectos gerais de tais classificações, sua forma de utilização, a estrutura da codificação, os mecanismos de registros contábeis, os aspectos específicos para a União, estados e municípios, os detalhes de aplicação mínima em saúde e educação, detalhes de aplicações previdenciárias e de emendas parlamentares.
O controle da fonte de recurso nasce desde a proposta orçamentária, passa pela arrecadação, pelo registro bancário de recebimento, pelo empenho, liquidação e pagamento e vai até a prestação de contas. É um mecanismo de qualidade da informação, com desafios para a rastreabilidade dos recursos vinculados e não vinculados. Atualmente são perceptíveis os seus controles por meio dos relatórios bimestrais (RREO) e quadrimestrais (RGF), além dos demonstrativos contábeis de encerramento de exercício.
Os principais resultados e vantagens dos controles de fontes serão a qualidade da informação contábil, a transição de um recurso de um ano para o outro, facilidades na elaboração de fluxos de caixa individualizados por fonte, identificação dos recursos já comprometidos com empenho, liquidação ou pagamento, identificação de superávit financeiro para fins de abertura de créditos adicionais, inscrição de restos a pagar vinculados ou livres, ou seja, uma rastreabilidade e facilidade na evidenciação dos fatos contábeis de controles financeiros, de forma a evidenciar de onde estão vindo e para onde estão sendo aplicados.
É um dos principais marcadores da contabilidade, perceptíveis em várias classes do plano de contas, tais como a classe 6 – movimento orçamentário que tem toda marcação em suas respectivas fases da receita e da despesa, na classe 1 – Ativo, para efeito de identificação dos recursos de Caixa e equivalentes de caixa, da Classe 2 – Passivo, identificando as fontes nas contas a pagar, do atributo “f” – Financeiro, vinculado às classes 7 e 8, respectivamente denominadas Controles Devedores e Controles Credores. Temos também o controle extraorçamentário, que necessita desta codificação, sendo estes recursos meramente depositários, tais como cauções e garantias, consignações, entre outros. Torna-se complexo o processamento neste caso, mas é preciso ressaltar que a retenção do valor na fonte original significará a saída de recurso pelo valor bruto, caracterizando entrada em código de fonte extraorçamentária numa forma de conversão.
Todas essas informações contribuem para a geração da Matriz de Saldos Contábeis, entregues à STN por meio do Siconfi mensal, além de outros softwares de prestação de contas a ministérios de educação, saúde e tribunais de contas jurisdicionados.
Antes delas, eram necessárias aberturas de várias contas bancárias, uma para cada recurso e dessa forma poderá haver maior centralização. Segundo as portarias, corroborado pela atualização do Manual de Contabilidade Pública, 9ª edição, a codificação evidencia, a partir do ingresso a origem dos recursos e, quando da realização da despesa, demonstra a fonte de financiamento dela, estabelecendo a interligação entre a receita e a despesa. A seguir, a referida especificação.
Metodologia de classificação utilizada
A partir dessa padronização, a codificação é composta de 4 dígitos de padrão nacional, sendo o primeiro dígito o identificador do exercício (atual ou anteriores) e três dígitos identificadores das respectivas fontes/destinação de recursos.
Conforme o Anexo II da Portaria n.º 710, o primeiro dígito indica o exercício em que foram arrecadados, se no exercício corrente ou anterior, sendo:
Assim, para a identificação do exercício, foi estabelecido o código “1” como a origem de arrecadação do exercício corrente, enquanto o código 2 dependerá de abertura de superávit financeiro, com recursos avindos dos exercícios anteriores. O código 9 será utilizado para inclusão futura na LOA de uma receita ainda indefinida, já prevendo uma possível alteração de legislação que possa criar uma receita nova, ou mesmo, alterá-la em relação ao que está tramitando na ocasião da elaboração da LOA.
Com isso, na execução, o identificador “9” deve se transformar em “1” com base na arrecadação. Atualmente é usado praticamente pela União. Cabe ressaltar que situações em que a despesa seja lançada na condição de Restos a pagar continuará utilizando o identificar 1. O ideal seria a troca de fontes de bancos na virada do exercício financeiro, desde que houvesse rígido controle de forma a excetuar os valores de restos a pagar e saldos das contas extraorçamentárias já comprometidos, caracterizando-se boa gestão dos recursos financeiros.
Passando ao detalhamento das fontes, ou seja, o segundo, terceiro e quarto dígitos, o identificador foi agrupado da seguinte forma:
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Nilton de Aquino. Contabilidade Pública na gestão municipal. São Paulo, Atlas/Gen: 2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Último acesso em: 18 out. 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm .
______. Lei Complementar n.º 101/2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm (último acesso em 02/07/2022).
______. Lei n.º 4.320/1964. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm (Último acesso em: 18 out. 2021);
______. Manual de contabilidade aplicada ao setor público – MCASP. Capítulo 5, 9ª edição, publicado em novembro de 2021. Disponível em: https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:41943 (Acesso em 02/07/2022).
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